Aqui são edições, selecionadas pela owner/fundadora do grupo Amor em Palavras em 30 de março de 2004,também pode haver edições de grupos amigos.

quarta-feira, 27 de março de 2013


VISÃO ESPÍRITA DA PÁSCOA
Marcelo Henrique Pereira (*)



Eis-nos, uma vez mais, às vésperas de mais uma Páscoa. 
Nosso pensamento e nossa emoção, ambos cristãos, 
manifestam nossa sensibilidade psíquica. Deixando de lado o apelo 
comercial da data, e o caráter de festividade familiar, a exemplo 
do Natal, nossa atenção e consciência espíritas requerem 
uma explicação plausível do significado da data e de sua 
representação perante o contexto filosófico-científico-moral 
da Doutrina Espírita.

Deve-se comemorar a Páscoa? Que tipo de celebração, evento 
ou homenagem é permitida nas instituições espíritas? 
Como o Espiritismo visualiza o acontecimento da paixão, 
crucificação, morte e ressurreição de Jesus?

Em linhas gerais, as instituições espíritas não celebram 
a Páscoa, nem programam situações específicas para “marcar” 
a data, como fazem as demais religiões ou filosofias “cristãs”. 
Todavia, o sentimento de religiosidade que é particular de cada 
ser-Espírito, é, pela Doutrina Espírita, respeitado, de modo 
que qualquer manifestação pessoal ou, mesmo, coletiva, acerca 
da Páscoa não é proibida, nem desaconselhada.

O certo é que a figura de Jesus assume posição privilegiada no 
contexto espírita, dizendo-se, inclusive, que a moral de Jesus 
serve de base para a moral do Espiritismo. Assim, como as pessoas, 
via de regra, sãolembradas, em nossa cultura, pelo que fizeram 
e reverenciadas nas datas principais de sua existência corpórea 
(nascimento e morte), é absolutamente comum e verdadeiro 
lembrarmo-nos das pessoas que nos são caras ou importantes 
nestas datas. Não há, francamente, nenhum mal nisso.

Mas, como o Espiritismo não tem dogmas, sacramentos, rituais 
ou liturgias, a forma de encarar a Páscoa (ou a Natividade) 
de Jesus, assume uma conotação bastante peculiar. 
Antes de mencionarmos a significação espírita da Páscoa, 
faz-se necessário buscar, no tempo, na História da Humanidade, 
as referências ao acontecimento.

A Páscoa, primeiramente, não é, de maneira inicial, relacionada 
ao martírio e sacrifício de Jesus. Veja-se, por exemplo, no 
Evangelho de Lucas (cap. 22, versículos 15 e 16), a menção, 
do próprio Cristo, ao evento: “Tenho desejado ansiosamente 
comer convosco esta Páscoa, antes da minha paixão. 
Porque vos declaro que não tornarei a comer, até que ela se 
cumpra no Reino de Deus.” Evidente, aí, a referência de que 
a Páscoa já era uma “comemoração”, na época de Jesus, 
uma festa cultural e, portanto, o que fez a Igreja foi “aproveitar-se” 
do sentido da festa, para adaptá-la, dando-lhe um novo significado, 
associando-o à “imolação” de Jesus, no pós-julgamento, 
na execução da sentença de Pilatos.

Historicamente, a Páscoa é a junção de duas festividades muito 
antigas, comuns entre os povos primitivos, e alimentada pelos judeus, 
à época de Jesus. Fala-se do “pesah”, uma dança cultural, 
representando a vida dos povos nômades, numa fase em que a 
vinculação à terra (com a noção de propriedade) ainda não 
era flagrante. Também estava associada à “festa dos ázimos”, 
uma homenagem que os agricultores sedentários faziam às 
divindades, em razão do início da época da colheita do trigo, 
agradecendo aos Céus, pela fartura da produção agrícola, 
da qual saciavam a fome de suas famílias, e propiciavam as trocas 
nos mercados da época. Ambas eram comemoradas no mês de abril 
(nisan) e, a partir do evento bíblico denominado “êxodo” 
(fuga do povo hebreu do Egito), em torno de 1441 a.C., 
passaram a ser reverenciadas juntas. É esta a Páscoa que o 
Cristo desejou comemorar junto dos seus mais caros, 
por ocasião da última ceia.

Logo após a celebração, foram todos para o Getsêmani, 
onde os discípulos invigilantes adormeceram, tendo sido o 
palco do beijo da traição e da prisão do Nazareno.

Mas há outros elementos “evangélicos” que marcam a Páscoa. 
Isto porque as vinculações religiosas apontam para a quinta 
e a sexta-feira santas, o sábado de aleluia e o domingo de páscoa. 
Os primeiros relacionam-se ao “martírio”, ao sofrimento de Jesus 
– tão bem retratado neste último filme hollyodiano (A Paixão de Cristo, 
segundo Mel Gibson) –, e os últimos, à ressurreição 
e a ascensão de Jesus.

No que concerne à ressurreição, podemos dizer que a interpretação 
tradicional aponta para a possibilidade da mantença da estrutura 
corporal do Cristo, no post-mortem, situação totalmente rechaçada 
pela ciência, em virtude do apodrecimento e deterioração do 
envoltório físico. As Igrejas cristãs insistem na hipótese do Cristo 
ter “subido aos Céus” em corpo e alma, e fará o mesmo em relação 
a todos os “eleitos” no chamado “juízo final”. Isto é, pessoas que 
morreram, pelos séculos afora, cujos corpos já foram 
decompostos e reaproveitados pela terra, ressurgirão, perfeitos, 
reconstituindo as estruturas orgânicas, do dia do julgamento, 
onde o Cristo, separá justos e ímpios.

A lógica e o bom-senso espíritas abominam tal teoria, pela impossibilidade 
física e pela injustiça moral. Afinal, com a lei dos renascimentos, 
estabelece-se um critério mais justo para aferir a “competência” 
ou a “qualificação” de todos os Espíritos. Com “tantas oportunidades 
quanto sejam necessárias”, no “nascer de novo”, 
é possível a todos progredirem.

Mas, como explicar, então as “aparições” de Jesus, nos quarenta dias 
póstumos, mencionadas pelos religiosos na alusão à Páscoa?

A fenomenologia espírita (mediúnica) aponta para as manifestações 
psíquicas descritas como mediunidades. Em algumas ocasiões, 
como a conversa com Maria de Magdala, que havia ido até 
o sepulcro para depositar algumas flores e orar, perguntando a Jesus 
– como se fosse o jardineiro – após ver a lápide removida, “para onde 
levaram o corpo do Raboni”, podemos estar diante da “materialização”, 
isto é, a utilização de fluido ectoplásmico 
– de seres encarnados – para possibilitar que o Espírito seja visto 
(por todos). Igual circunstância se dá, também, no colóquio de 
Tomé com os demais discípulos, que já haviam “visto” Jesus, de 
que ele só acreditaria, se “colocasse as mãos nas chagas do Cristo”. 
E isto, em verdade, pelos relatos bíblicos, acontece. 
Noutras situações, estamos diante de uma outra manifestação 
psíquica conhecida, a mediunidade de vidência, quando, 
pelo uso de faculdades mediúnicas, alguém pode ver os Espíritos.

A Páscoa, em verdade, pela interpretação das religiões 
e seitas tradicionais, acha-se envolta num preocupante e negativo 
contexto de culpa. Afinal, acredita-se que Jesus teria padecido 
em razão dos “nossos” pecados, numa alusão descabida de 
que todo o sofrimento de Jesus teria sido realizado para “nos salvar”, 
dos nossos próprios erros, ou dos erros cometidos por nossos 
ancestrais, em especial, os “bíblicos” Adão e Eva, no Paraíso. 
A presença do “cordeiro imolado”, que cumpre as profecias 
do Antigo Testamento, quanto à perseguição e violência contra o 
“filho de Deus”, está flagrantemente aposta em todas as igrejas, 
nos crucifixos e nos quadros que relatam – em cores vivas – 
as fases da via sacra.

Esta tradição judaico-cristã da “culpa” é a grande diferença 
entre a Páscoa tradicional e a Páscoa espírita, se é que esta 
última existe. Em verdade, nós espíritas devemos reconhecer 
a data da Páscoa como a grande – e última lição – de Jesus, 
que vence as iniqüidades, que retorna triunfante, que prossegue 
sua cátedra pedagógica, para asseverar que “permaneceria 
eternamente conosco”, na direção bussolar de nossos passos, 
doravante.

Nestes dias de festas materiais e/ou lembranças do 
sofrimento do Rabi, possamos nós encarar a Páscoa como 
o momento de transformação, a vera evocação de liberdade, 
pois, uma vez despojado do envoltório corporal, pôde Jesus 
retornar ao Plano Espiritual para, de lá, continuar “coordenando” 
o processo depurativo de nosso orbe. Longe da remissão da 
celebração de uma festa pastoral ou agrícola, ou da libertação 
de um povo oprimido, ou da ressurreição de Jesus, possa ela ser 
encarada por nós, espíritas, como a vitória real da vida sobre 
a morte, pela certeza da imortalidade e da reencarnação, 
porque a vida, em essência, só pode ser conceituada como o amor, 
calcado nos grandes exemplos da própria existência de Jesus, 
de amor ao próximo e de valorização da própria vida.

Nesta Páscoa, assim, quando estiveres junto aos teus mais caros, 
lembra-te de reverenciar os belos exemplos de Jesus, que 
o imortalizam e que nos guiam para, um dia, também estarmos 
na condição experimentada por ele, qual seja a de 
“sermos deuses”, “fazendo brilhar a nossa luz”.

Comemore, então, meu amigo, uma “outra” Páscoa. 
A sua Páscoa, a da sua transformação, rumo a uma vida plena. 

* Assessor Administrativo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE), 
Assistente da Vice-Presidência de Cultura e Ciência da Federação Espírita Catarinense (FEC) 
e Delegado e Membro do Conselho Executivo da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA).






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