Lacuna

by Priscila de Loureiro Coelho

Vejo-me silenciosa, propensa a conjecturas mais sutis.
A vida nos oportuniza infinitas experiências maravilhosas,
nos presenteia com seres especiais em nossa vida
e nos cerca de belezas suaves, naturais
que enriquecem nosso dia a dia
e nos impulsionam rumo à evolução...

Por outro lado também nos mostra algumas verdades,
nos deixa experimentar situações delicadas
em que nossos sentimentos mais profundos são postos à prova,
em que a perda nos visita inesperadamente
tomando nossa rotina de assalto
e nos propiciando um aprendizado mais complexo e
um tanto doloroso.

Não são fáceis as rupturas que enfrentamos
a cada ciclo de vida que completamos
mas, são tão necessários quanto a enorme felicidade
que caminha mais amiúde conosco...

Esta semana "perdemos de vista" uma tia querida
e, infelizmente, quis o destino que não fosse possível
estarmos presente em sua despedida ...
Irmã caçula do paizinho, criatura meiga,
cumpriu seu destino de modo impecável
lidando com tudo da melhor forma que lhe foi possível.
conquistou o amor de todos nós
pela maneira cordata de conduzir sua existência.

Hoje faço uma prece especial
e no silencio desta fria madrugada
permaneço por um tempo aqui em meu escritório
observando a noite através da janela,
admirando a beleza da Lua, majestosamente cheia
em tom amarelado, cintilando lá no céu.

Por alguns minutos meus pensamentos alcançam
aquele espaço misterioso onde as estrelas
cortejam a escuridão com sua luz.
Lá, permito que considerações
bailem sem preocupação
alguma junto as minhas emoções.

Questiono-me, sem na verdade esperar
descobrir a resposta,
se meus entes queridos, que já deixaram a Terra,
encontram-se todos por lá...
Se a esta altura já foram ao encontro desta amada tia
dando-lhe as boas vindas em alguma constelação
bonita e longínqua onde iniciará
nova etapa de sua evolução...
Estarão todos, ao contrário de nós, alegres e festivos
comemorando o reencontro tão desejado?

É... A vida é dom misterioso que nos mantém
ligados ao cosmo eternamente
e que reserva a cada um de nós algo especial
único, intransferível...

Retorno aos poucos meu pensamento
para meu lar, com a exata sensação
de que realmente estive fora...

Ausentar-me por segundos da materialidade,
polarizar-me no espírito que anima meu ser
me permite olhar tudo numa perspectiva
diferente, sentindo alterado o ritmo de meu coração
entregando-me a uma serenidade
que parece ter vindo de longe...
Quem sabe pelos raios do luar que ilumina
o escritório através da janela,
talvez tenha me alcançado
por meio da brisa suave,
cheiro da noite que inebria meus sentidos
tornando-os afeitos à amorosidade.
O fato é que vou me recolher sentindo-me em paz.
Tendo a convicção de que anjos zelam por minha querida Tia
e a escoltam junto ao Criador.

Fica o gosto da saudade
que insinua para minha alma
a decisão de permanecer junto à tantas outras
já instaladas no oculto de meu ser.
Uma companhia a mais nesta bela jornada
que de quando em vez
nos faz parar, respirar fundo, aquietar-nos
para então continuar.

Interessante que a cada pausa desta natureza
junta-se um elemento a mais
encorpando a saudade
como se ela própria fosse a fonte da força
que nos faz ir adiante.

Que fiquem comigo à vontade
sentindo-se em casa; que me fortaleçam
enquanto tornam suave
o repertório de minhas lembranças
e dóceis minhas reações a elas.

Na linguagem da alma
desejo boa noite a todos os meus queridos
que se encontram em outra dimensão
e aos que amo e aqui se encontram comigo
desejo fé, coragem e ânimo
para continuar nossa jornada
de tal sorte que eles tenham orgulho de nos
e entendam que é nossa forma de externar o amor
que por eles sentimos.

Fecho a janela, desligo o micro
e vou me deitar, lembrando que amanhã
meus alunos me esperam ansiosamente...
para saber quanto tiraram na prova da semana passada...

Priscila de Loureiro Coelho


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