Como era alegre viver
naquela rua!
Parecia antiga, mas
estava sempre
adolescente.
Sempre colorida de
jornais o olhares
afetuosos!
Parecia tão grande,
tão infinita que não havia um
principio e um fim.
Era sem limites, parecia
a esperança!
Não sabia onde
começava e onde ia me
levar!
Um dia era feita de
serestas, outro de vento
sul, mas quando era
calma a natureza, até as
tardes cantarolavam
ladainhas e madrigais.
O alfaiate da minha rua
costumava assoviar
músicas longas, vindas
de um tempo mais
distante ainda.
Só sabia costurar seus
ternos e suas invenções,
ouvindo aquelas melodias!
Um dia fugiu abraçado
em suas canções.
Eu me apeguei aos assovios!
O sapateiro era
comunista quando bebia muito.
Ocupava as calçadas e
fazia discursos
inflamados, pela causa operária.
Se estava sóbrio
ganhava um aspecto capitalista.
Fumava até charutos Cubanos!
Se toda rua tinha um
barbeiro, o que habitava
a minha, colecionava
fotografias e cartazes antigos.
O gosto pelas coisas
passadas, o transformou
em uma pessoa
singular, romantica,
como nos tempos primeiros.
Sempre passava por lá
à tarde, para ouvir
musica antiga no radio.
Usava colônias misteriosas que
não revelava.
A minha rua tinha um cheiro único!
Na minha rua também
havia os mendigos.
Aqueles derrotados por
alguma causa.
Havia uma
particularmente que me
atordoava, pela
simplicidade do olhar e
a mansidão da fala.
Em dia incerto de
dezembro e não sei
porque, acreditei que ela
gostasse de bombons.
Dei-lhe de surpresa uma caixa deles.
Ao recebê-los, foi
tomada de tão grande
emoção que iluminou a si e a mim.
Havia naquele rosto
frágil uma luz que só eu percebí.
Ela era um pedaço de nossa Senhora!
Havia também uma
dama triste!
Nunca ví um sorriso
libertar aquele rosto!
Um dia, misturei um
palco cheio de sol e uma
bailarina em flor.
Imaginei uma dança exuberante.
E mesmo em imaginação,
não ví a alegria.
Ela tinha descolorido a vida!
Não poderia me
esquecer dos palhaços,
dos equilibristas e da florista.
Uma fauna humana irresistível,
que criava as comédias e
tragédias que temperam
a existência, como uma
sinfonia estranha de
seres e de coisas.
Dalí aprendí que a vida é uma nota musical;
O homem é uma composição poética!
Quase sempre a minha
rua era tomada por
cantigas de roda,
vestidos de chita e quentão.
A adolescencia me
carregava entre as
mãos, e me envolvia de
sorrisos e olhares distintos.
De outra feita, era
tomada por velas e
andores em grandes procissões.
A minha rua parecia exigir
a presença de Deus!
Imaginava, que todos já
nascessem com a sua rua.
Mesmo que
existissem outras ruas,
esta seria única.
Nasce no coração como
uma veia que irriga o corpo.
Se esta veia se
afasta de nós, ou nos
esquecemos dela,
o corpo adoece, a alma fraqueja!
A minha rua também existia,
para secar as minhas lágrimas!
Às vezes descubro
outras ruas,
hostis ou cordiais.
Às vezes ando a passos
largos, outras devagar.
Equilibro-me na palidez do vento!
Então a minha rua
verdadeira vem, e me
carrega para o meu lugar!
Por onde eu ando e desando - Poeta e galhofeiro!
E vou soltando as piruetas da imaginação,
agarrado nas paredes da memória,
de cores e assovios;Por onde eu sou feliz!
JOÃO DAS FLORES
Todo o conteúdo e a imagem do texto, foi enviado por José Balbino no grupo Yahoo - Amor em Palavras
janeiro/2009
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